sábado, janeiro 26, 2013

A relação médico-paciente em tempo de individualismo

por José Eduardo de Siqueira, médico, membro da Câmara Técnica de Bioética do Conselho Regional de Medicina do Paraná.

Muito se tem comentado sobre os avanços que a medicina nos apresenta, através de novas propostas terapêuticas em campos do conhecimento antes reservados ao território da ficção científica. Paradoxalmente, observamos que, ao mesmo tempo em que a sociedade recebe promessas de vida longa e saudável, a figura do médico torna-se menos valorizada e, cada vez mais, vemos a sociedade clamando por humanização da medicina. Como explicar este enigma? Estariam os profissionais mal-formados e sem o adequado domínio das novas tecnologias?

A resposta parece ser negativa. Entretanto, é impossível negar que o relacionamento médico-paciente encontra-se significativamente comprometido. Cresce de maneira expressiva o número de denúncias contra médicos e a atividade judicante dos Conselhos de Medicina demonstra que 70% dos processos éticos instaurados decorrem de inadequado relacionamento intersubjetivo entre esses atores. É certo, outrossim, que uma sociedade dominada pelo individualismo, onde o ser humano perdeu sua condição de sujeito, portador de dignidade e merecedor de respeito, muitos são os fatores que podem ser apresentados como causadores dessa catástrofe relacional.

Alguns pensadores, entre eles o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, definem o mal-estar da pós-modernidade como tempos líquidos, em consequência da dissolução de todos os valores sólidos que nos acompanharam ao longo de nossa história. Sem pretender esgotar todas as complexas causas do insatisfatório relacionamento médico-paciente, apontaremos três, que nos parecem primordiais.

A primeira, não por ser a mais importante, mas por deter maior visibilidade, é o representado pela influência negativa que as empresas farmacêuticas e de equipamentos médicos exercem sobre a conduta terapêutica dos profissionais. Estes fatos, inquestionavelmente prejudiciais, não justificam julgamentos apressados de satanização das mencionadas empresas, pois as regras impostas pela sociedade de mercado as obrigam a atitudes competitivas, nem sempre revestidas de eticidade.

Os dois outros fatores que mencionaremos a seguir, embora de menor visibilidade, constituem elementos nucleares da crise de valores que domina a sociedade atual. O primeiro deles, muito bem analisado por pensadores como Ernest Jünger, Martin Heidegger e Hans Jonas, é o da sociedade em que a técnica ocupa posição privilegiada e convive com pessoas subjulgadas ao domínio de um véu tecnológico, assumindo assim a condição de um fim em si mesmo. Neste modelo, as pessoas deixam de perceber que a biotecnologia é apenas um braço prolongado da ciência e, portanto, complementar ao raciocínio do profissional.

Não se sabe exatamente como a fetichização da técnica se impõe sobre a psicologia humana e onde é possível identificar o limite entre uma interação racional e a injustificada superestimação. O certo é que o fascínio pela tecnologia domina toda sociedade, incluindo médicos e pacientes, o que fez com que Berkley cunhasse o mantra que lhe pareceu mais representativo do comportamento humano na pós-modernidade: "I like nice equipments". Herdamos do século XX o mais extraordinário desenvolvimento da tecnologia biomédica que dominou nossas mentes e corações, a tal ponto que passamos a subestimar o raciocínio clínico, devotando desproporcional credibilidade à biotecnociência. Bernard Lown, professor emérito da Faculdade de Medicina de Harvard, em A arte perdida de curar, deplora a exagerada ênfase que as escolas médicas empregam na formação de profissionais que, segundo ele, serão meros "oficiais-maiores da ciência e gerentes de biotecnologias complexas, desconsiderando a genuína arte de ser médico." O mais desconcertante diante desta situação é que parece cada vez mais distante a possibilidade de reconhecermos que a tecnologia é obviamente boa, entretanto, poderá ser prejudicial se utilizada de maneira insensata e imprudente.

A última variável, talvez seja a mais complexa e deve merecer maior atenção. Trata-se das mesquinhas escolhas morais que fazemos conduzidos pelo equivocado princípio de que tudo deve ser subordinado à soberania da vontade pessoal. A individualização, a perda do sentido de solidariedade, parece ser o mais importante fator desagregador da sociedade. 

domingo, janeiro 20, 2013

Postagem de Ano Novo: Perspectiva versus Realidade

Em medicina, muitas condutas não mudam a realidade do indivíduo. Porém dão ao paciente e a seu médico aperspectiva de estar fazendo alguma coisa, a ilusão de controle sobre o desfecho. Por este motivo, tratamentos complexos, dolorosos e de alto custo são usados mesmo que não mudem o desfecho (realidade) do paciente; exames desnecessários são utilizados, promovendo o fenômeno do overdiagnosis, prejudicando o paciente. Tudo isso para que tenhamos uma perspectiva de controle sobre nossa realidade.

...

O que é mais sedutor: “faça exames para diagnosticar sua doença antes que ela complique sua vida, melhor prevenir do que remediar” ou “check-up cardiovascular no indivíduo assintomático não muda desfecho. Se contente com a imprevisibilidade da vida (insustentável leveza do ser, segundo Milan Kundera), apenas adote medidas de controle dos seus fatores de risco e torça para não ser um azarado que terá morte súbita.” Claro que a primeira opção é mais sedutora.

Portanto, nossa necessidade de controle é um dos mecanismos mentais que nos leva a negligenciar princípios científicos, a procura da ilusão de que estamos tratando (mesmo sem tratar) e de que estamos prevenindo (mesmo sem prevenir).

quinta-feira, janeiro 10, 2013

Conflitos de interesse na pesquisa, produção e divulgação de medicamentos

Divulgamos texto

RESUMO

Analisa o debate sobre os conflitos éticos dos artifícios utilizados pela indústria farmacêutica na pesquisa, produção e divulgação dos medicamentos. Três aspectos são examinados: o envolvimento dos profissionais de medicina com os representantes das indústrias farmacêuticas; o conflito de interesses quanto a sua atuação como patrocinadora de pesquisas científicas; a avaliação de fármacos em seres humanos. Verifica-se que a mensagem para promoção da saúde advém da medicalização; as grandes indústrias farmacêuticas não produzem exclusivamente mercadorias, mas, sobretudo, subjetividades. Dessa forma, descortina-se o tipo de ordem por elas estabelecida.

Palavras-chave: indústria farmacêutica; medicamentos; bioética; conflito de interesses.

sábado, janeiro 05, 2013

Disease mongering? Discutamos Shift Work Disorder...

Postei mais cedo em Saúde Web: Shift Work Disorder - Um novo problema e um tratamento que não resolve o de base.

No artigo citado consta: Funding was provided by Cephalon, Inc., (Frazer, Pennsylvania) to The Curry Rockefeller Group, LLC, (Tarrytown, New York), which provided assistance to the authors with coordinating conference calls, creating an outline of the manuscript, creating and formatting figures and tables with the guidance of the authors, help with literature searches under the guidance of the authors, help with compiling comments from the authors, and help with updating the bibliography for the manuscript. The authors maintained control over the content and decision to submit the manuscript. The publication’s content is the sole responsibility of the authors and does not necessarily represent views of Cephalon, Inc. Dr Wright has received research grants from Cephalon and Takeda Pharmaceuticals of North America; he has been a consultant for Cephalon, Takeda Pharmaceuticals of North America, Zeo, Inc, Johnson &Johnson, and serves as Chair of the external advisory board of Northwestern University American Waterways Operators Towboat Project; Chair of the scientific advisory board of Zeo, Inc and has stock options from Zeo, Inc. Dr Bogan has received research funding from Actelion, Apnex, ApniCure, Boehringer Ingelheim, Cephalon, GlaxoSmithKline, Jazz, Johnson & Johnson, Merck, Pfizer, Philips, ResMed, Schwarz, Sensory Medical, Sepracor, Vanda, Ventus, and Xenoport; he has been a consultant for ApniCure, Cephalon, GlaxoSmithKline, Jazz, Sunovion, and UCB; he has served on the speakers bureau for Cephalon, GlaxoSmithKline, Jazz, and Sunovion; and he is a shareholder and employee of SleepMed, Inc. Dr Wyatt has received research support from Cephalon and Respironics Sleep and Respiratory Research Foundation.

Avaliando o site de Cephalon, Inc., encontra-se algo bastante destacado no texto:


Tenho dúvida a cerca dos endpoints dos estudos... de que adianta médicos mais "ligados", se estiverem deprimidos, ansiosos ou hipertensos? No fundo, está tudo interligado... Outra perspectiva: parece bom se as medicações melhoraram o médico, mas enquanto não surgir junto a evidência de que reduz também o efeito negativo da privação de sono nos pacientes, será que estamos no caminho certo? Ou seria importante uma discussão anterior, quase sociológica, sobre a organização de nosso trabalho e seu impacto global?
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